Tempestade perfeita Os reparos à condução da Operação Carne Fraca criaram o ambiente ideal para políticos e críticos da Lava Jato no Judiciário incitarem uma onda de censuras à atuação de órgãos de investigação. A dura fala do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, nesta terça (21), foi uma pequena amostra. Outros nomes de peso no meio jurídico se somarão a ele. No Congresso, surge clima para relativizar o trabalho da polícia e pôr em marcha propostas que impõem limites ao Ministério Público e à PF.
Mais um Ex-presidente do STF, Nelson Jobim adotou linha semelhante à de Mendes. Em conversas com amigos, criticou o suposto vazamento de dados da Lava Jato de dentro da Procuradoria-Geral da República.
Tudo ou nada Um senador do PMDB deu a entender a auxiliares que não vê mais o que pode perder com a aprovação de medidas como a anistia ao caixa dois e o projeto de abuso de autoridade. Segundo ele, todos os citados já estão “politicamente acabados” e agora é hora de lutar para “se manter vivo”.
Casca de banana Entusiasta da Lava Jato, o senador Álvaro Dias (PV-PR) reconhece que as implicações da Carne Fraca abriram portas para críticos à atuação da Polícia Federal. “Facilitou o discurso. É fundamental que a PF venha agora com todas as informações”, avalia.
Monotemáticos Em reunião nesta terça, integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária articularam ida a Bruxelas para defender a qualidade carne nacional.
Enxame de gente Diante dos sinais de que o ex-presidente Lula está estimulando a militância a ir a Curitiba no dia 3 de maio, quando prestará depoimento a Sergio Moro, a PF se prepara para conter até 50 mil pessoas. A Frente Brasil Popular já sinaliza manifestação no local.
Blairo Maggi representa como ninguém o agronegócio brasileiro (por ELIO GASPARI) 1w6l55
O ministro da Agricultura, doutor Blairo Maggi, chamou de "idiotice" a acusação, apresentada pela Polícia Federal, de que um frigorífico do grupo BRF estivesse usando papelão nas suas salsichas. Faz sentido.
Maggi bate duro. É um bilionário do agronegócio, já foi chamado de Rei da Soja (título que herdou do pai) e a ONG Greenpeace presenteou-o com a "Motosserra de Ouro". Conhece o mundo dos negócios e o da política. Chegou ao Senado pela gambiarra da suplência e ao governo de Mato Grosso pelo voto popular.
Representa como ninguém o agronegócio brasileiro com seu efeito modernizador do campo e sua importância para a economia. Quando estourou a Operação Carne Fraca, ele era o homem certo no lugar certo. Em poucos dias, verificou-se que adulterara o próprio produto.
Maggi ameaçou desnecessariamente o governo chileno, mas esse talvez seja o seu viés de senhor das terras. O ministro tornou-se patético quando acompanhou o coral dos agromandarins. Trata-se de uma casta capaz de gastar os tubos para publicar um manifesto "em defesa da proteína nacional". Essa charanga considera o desastre uma coisa pontual, produto de "desvios de conduta" que "devem ser repudiados e combatidos". Intitulam-se "associações de proteínas."
A economia internacional modernizou o agronegócio brasileiro obrigando-o a respeitar padrões de qualidade. Contudo, quando operam no mundo do poder brasileiro, os empresários fogem do século 21 e aninham-se na primeira metade do 20, quando seus antecessores istravam matadouros.
O "desastre" começou há três anos, quando o auditor Daniel Gouvêa Teixeira foi afastado das suas funções depois de ter denunciado malfeitorias ocorrida no Paraná. Em seguida ele foi à Polícia Federal, contou o que sabia e assim nasceu a "Carne Fraca". Na sua narrativa das excelências do governo, Maggi revelou que exonerou os superintendentes do ministério no Paraná (Gil Bueno) e em Goiás (Julio Cesar Carneiro).
Tudo bem, mas quem nomeou os dois foi Blairo Maggi. O doutor Gil Bueno foi apadrinhado pela base de apoio do governo, mesmo sabendo-se que o Ministério Público dizia o seguinte a seu respeito: "Recebeu para si, 67 vezes, em razão do cargo de fiscal federal agropecuário (...) vantagem indevida para deixar de praticar ato de ofício". Nomeá-lo, vê-se agora, foi "idiotice".
Em Goiás, na região do interesse de Maggi, foi nomeado outro filho da base. Quadro do PTB, Carneiro disputa eleições desde 2004, sem sucesso. Ele não é do ramo, mas o ex-diretor do serviço de inspeção era. Está preso preventivamente. Não há nada de pontual em situações desse tipo. São esquemas.
Os grandes grupos exportadores respeitam as exigências impostas pelo mercado internacional, mas convivem com o atraso que Blairo Maggi conhece de cor e salteado.
A Operação Carne Fraca começou com um lastimável grau de amadorismo megalômano e espetaculoso da Polícia Federal, mas isso não convida empresários, mandarins e ministros a adotarem a postura arrogante dos empreiteiros no nascedouro da Lava Jato. Como ensina um velho provérbio napolitano, "seja honesto, até mesmo por esperteza".
No ESTADÃO: "Carne trêmula", por MONICA DE BOLLE 401m71
Carne Fraca é a última prova de que o capitalismo de Estado à brasileira destrói
Diretamente de Trumpland, onde os tremores são frequentes, quase ininterruptos, foi com espanto que vi a exaltação que se apoderou do “debate” sobre a Operação Carne Fraca. De repente, surgiram vários especialistas do agronegócio, da saúde pública, da atuação da Polícia Federal e do Ministério Público a opinar a respeito do mais recente escândalo de corrupção no País. Do pedestal de suas certezas rígidas, acusam a PF, o MPF, a mídia de provocar sensacionalismos desnecessários, defendem frigoríficos sob suspeita, e recusam-se a enxergar o óbvio: tenha sido um ou vinte, vinte ou quatro mil empresas e frigoríficos envolvidos, a PF desvelou um atentado à saúde pública no País.
Atentado esse que deveria ter sido imediatamente abordado como problema sério, antes que fossem citados os números dos fiscais envolvidos, o porcentual do setor de carnes, ou mesmo os dados de exportação da carne brasileira. Acalmar a população deveria preceder a defesa da imagem de um País que consome internamente cerca de 80% da carne produzida. Em vez disso, a Operação Carne Fraca foi transformada em Operação Barata Voa, os destroços esmiuçados pelos tais especialistas que aram a tratar a questão de forma ideológica.
Os fatos, não os sabemos por completo. Diz a PF que a investigação continua, que há mais a ser revelado. Enquanto isso, grandes países e blocos exportadores como a União Europeia, a China, o Chile, a Suíça resolveram adotar embargo total ou parcial às exportações da carne nacional. Digam o que quiserem nossos governantes e especialistas, o problema, na realidade, é maior do que a carne.
O Brasil está sob intenso escrutínio internacional desde que a corrupção foi desvelada pela Lava Jato como o verdadeiro esporte nacional. Ainda que não seja justo tratar toda a produção de carne brasileira como “de segunda”, o fato é que a corrupção endêmica que se vê no País dá pouco espaço para que o setor seja agora visto no exterior com iração. Carne corrupta, corrupção encarnada.
O Brasil exporta para o resto do mundo cerca de 20% da carne que produz. Esses 20% tornam o País o maior exportador mundial de carne, onde ocupa fatia de 20% do mercado global. Entre os cinco maiores exportadores de carne do mundo estão, em ordem, o Brasil, a Índia, a Austrália, os Estados Unidos, e a Nova Zelândia. No mundo, nós somos cerca de 30% maiores do que os EUA, que exportam cerca de 15% da carne que produzem. O Brasil, isolado que é, não tem a projeção geopolítica que caberia a um país de seu tamanho. Contudo, se somos anões internacionais em diversas áreas, sempre fomos um gigante na área de segurança alimentar, tema dos mais importantes em mundo marcado pelas tendências de crescimento populacional em áreas em que a segurança alimentar é pouca ou inexistente. Eis, portanto, o grande dilema brasileiro: a corrupção acaba de abalar nosso único meio de projeção como superpotência global.
A crise no setor de carnes provavelmente será superada. O governo, espera-se, tratará de cuidar da saúde pública e de conter qualquer possibilidade de disseminação que prejudique os consumidores brasileiros. Em algum momento, os mercados, por ora fechados, tornarão a se abrir para o Brasil, ainda que o preço da carne exportada sofra baque com as mais recentes revelações. O problema, entretanto, é que o mundo não haverá de esquecer que a corrupção brasileira está por toda parte, inclusive na comida.
Comida financiada pela péssima ideia de promover campeões nacionais, comida corrompida por trocas de favores, propinas, esquemas para dar dinheiro a políticos e partidos políticos. O escândalo da Carne Fraca é a última prova de que o capitalismo de Estado à brasileira envenena, destrói, adoece. As mais recentes vítimas do capitalismo de Estado à brasileira foram a saúde pública, as nascentes aspirações geopolíticas do País, seu engajamento global como superpotência alimentar.
O algoz que muitos, hoje, tratam de querer esconder atrás de números que nada atenuam é a corrupção generalizada, corrupção que já mostrou a todos não ter ideologia ou partido político.
Indicação política é maioria em cargos de superintendência na Agricultura 3u2l2e
Das 27 superintendências estaduais, responsáveis pela fiscalização agrícola, pelo menos 19 estão nas mãos de indicados por partidos nos governos Lula, Dilma e Temer; o PMDB detém a maior parte dos cargos, com 10 indicações, seguido do PP, com quatro (por Leonencio Nossa, Lu Aiko Otta, repórteres de O Estado de S.Paulo):
BRASÍLIA - Das 27 superintendências de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, responsáveis pela fiscalização e inspeção de rebanhos e lavouras nos Estados, pelo menos 19 estão nas mãos de indicados por partidos políticos. O PMDB domina a estrutura dos escritórios estaduais (10), seguido do PP (4), PR e PSDB (2) e PTB (1), indicações que foram feitas nos governos Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer.
A prática das indicações políticas no setor veio à tona com a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, iniciada há dois anos, ainda no governo Dilma, que revelou um esquema de propinas pagas por frigoríficos a fiscais do Ministério. Para os investigadores, a corrupção nas superintendências do Paraná e de Goiás alimentou caixas partidários.
Numa “resposta rápida” ao escândalo, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, exonerou os superintendentes Gil Bueno de Magalhães e Júlio César Carneiro, indicados pelo PP e pelo PTB, que atuavam nos dois Estados. Está em processo de escolha dos substitutos, mas descartou o critério político. “Será indicação minha. Não política”, disse.
O superintendente exonerado em Goiás foi indicado em 2015 na gestão da então ministra Kátia Abreu, no governo Dilma. No caso do superintendente afastado do Paraná, a nomeação foi assinada por Maggi, a pedido do PP. A lista dos apadrinhados inclui 12 nomeados pelo governo Temer, seis pela gestão Dilma e um ainda pelo ex-presidente Lula.
Em meio à repercussão da Operação Carne Fraca, a pasta de Blairo Maggi deverá tomar em breve uma decisão que impactará o setor. No próximo dia 10 de maio, entra em vigor o artigo do decreto 8.762, assinado pela ex-presidente Dilma e pela ex-ministra Kátia Abreu, no ano ado, que para manter o caráter técnico da função, limita a servidores de carreira o preenchimento dos cargos de superintendentes da pasta da Agricultura.
A norma é criticada pelos atuais superintendentes, a maioria deles com apadrinhamento político. “É um contrassenso”, avalia Alay Correia, superintendente de Alagoas. Ex-prefeito de Taquarana pelo PMDB e indicado pela bancada estadual, ele afirma que os casos de corrupção identificados pela Polícia Federal em Goiás e Paraná envolveram o “corporativismo” dos servidores.
“Não se trata de uma questão que envolve ou não servidor de carreira. Particularmente, acho que deve se julgar se a pessoa tem ou não capacidade para exercer a função”, diz. “É uma questão de honestidade.”
Indicado pelo senador Gladson Camelli (PP-AC), o superintendente do Acre Francisco Luziel Carvalho diz que o decreto é “esdrúxulo”. “Eu não me sinto inferior a ninguém por ocupar cargo comissionado”, afirma. Assistente social e advogado, ele observa que tanto superintendente de carreira quanto indicado devem seguir as normas do servidor.